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A função CIMIC desempenhada por Observadores militares na UNMISS

Publicado: Quarta, 07 de Dezembro de 2022, 01h01 | Última atualização em Quarta, 07 de Dezembro de 2022, 11h15 | Acessos: 10184

 

Raphael Cavalieri Nardi de Souza
Major do Exército Brasileiro e aluno do CAEM na ECEME

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1. Introdução

Segundo o Exército Brasileiro, a cooperação civil-militar (CIMIC) compreende a ligação entre o comando de uma força militar e as organizações civis em presença na área de operações. Suas atividades buscam estabelecer, manter e influenciar ou explorar as relações entre as forças militares, as agências, as autoridades e a população, numa área operacional neutra, amigável ou hostil (BRASIL, 2018).

Nas missões de paz desencadeadas pelas Nações Unidas, nota-se que a cooperação civil-militar está presente. Como exemplo, há o caso do Sudão do Sul, país onde há a presença de militares brasileiros exercendo a cooperação civil-militar no âmbito da United Nations Mission in South Sudan (UNMISS). Em vista dessa realidade e considerando a importância do assunto, o presente artigo intenciona apresentar a cooperação civil-militar realizada no âmbito da UNMISS.

 

2. Preâmbulo Histórico

O Sudão do Sul, localizado na porção nordeste da África, é o país mais jovem de seu continente. Seu processo de emancipação em relação ao Sudão contou com uma duradoura guerra civil que durou pouco mais de vinte anos (de 1983 até 2005), ano em que a Organização das Nações Unidas (ONU) intermediou a assinatura do acordo de paz firmado no país, denominado de Comprehensive Peace Agreement (CPA) (SANTOS, 2018).

Fruto do Comprehensive Peace Agreement, o Sudão do Sul recebeu o status de entidade semiautônoma e John Garang, então líder rebelde, foi empossado como vice-presidente do Sudão (SANTOS, 2018). Diante desse acordo, a ONU ativou a United Nations Mission in Sudan (UNMIS), missão de paz que contou com a participação brasileira.

Em agosto de 2005, um acidente de helicóptero vitimou letalmente John Garang, episódio que proporcionou a ascensão de Salva Kiir Mayardit ao cargo de vice-presidente do Sudão. No exercício do cargo, Salva Kiir Mayardit também se incumbiu de liderar o processo de formação do governo autônomo no Sudão do Sul (SANTOS, 2018). Seis anos depois, mais precisamente em 09 de julho de 2011, o Sudão do Sul teve a sua independência reconhecida pelo sistema internacional. O território do mais novo país passou a ser composto por 658 mil quilômetros quadrados, organizados politicamente em dez estados e com a capital estabelecida na cidade de Juba.

 

3. Estabelecimento da United Nations Mission in South Sudan

Com o objetivo de contribuir para o processo de solidificação do Sudão do Sul, a ONU ativou outra missão de paz no mais novo país do sistema internacional: a UNMISS, missão de paz instaurada pela Resolução nº 1996 do Conselho de Segurança da ONU, assinada em julho de 2011 (UNITED NATIONS, 2011). Cabe destacar que, por ocasião da implementação da UNMISS, os militares brasileiros que estavam desdobrados na UNMIS em território do recém-criado Sudão do Sul, passaram a compor a UNMISS. Assim, desde a sua criação, a UNMISS contou com a presença de militares brasileiros (ALMEIDA, 2019).

O mandato da UNMISS, prorrogado até 2023 por meio da Resolução nº 2625 do Conselho de Segurança da ONU, está sob o escopo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas. O atual mandato inclui tarefas como a proteção de civis, a criação de condições para a realização de assistência humanitária, o suporte para a implementação do Revitalised Agreement and the Peace Process, além de monitorar, investigar e reportar violações relacionadas aos direitos humanos. Muitas dessas tarefas são desempenhadas pelos militares presentes na UNMISS por meio da cooperação civil-militar.

 

4. A cooperação civil-militar na UNMISS

Segundo as Nações Unidas, a função CIMIC (como é conhecida no Brasil) é chamada de UN-CMCoord e pode ser definida como sendo o diálogo e a interação essenciais entre atores civis e autoridades militares em situações de emergência humanitária, que são necessários para proteger e promover os princípios humanitários, evitar concorrência, minimizar a inconsistência e, quando apropriado, buscar objetivos comuns (OCHA, 2018).

Para contribuir no desempenho das funções atribuídas pelo mandato, a UNMISS possui a seguinte organização: uma célula CIMIC no Force Headquarter, localizada na cidade de Juba; uma célula CIMIC em cada um dos cinco Sector Headquarters distribuídos pelo país; um militar responsável pela cooperação civil-militar em cada Estado-Maior das tropas presentes na missão; e um observador militar com a função de coordenar as relações civis-militares em cada Team Site dos Field Offices.

Os Field Offices, por sua vez, possuem os Field Integrated Operations Center (FIOC). Esse é composto por elementos de cada um dos offices que integram o Field Office. Sua atribuição é coordenar, no nível Field Office, a integração entre os entes civis e os militares pertencentes a ONU.

Para cumprir sua missão, o FIOC conduz reuniões periódicas com o fito de organizar as ações integradas na área de responsabilidade do Field Office e permitir o compartilhamento de informações relevantes entre civis e militares. Por ocasião das referidas reuniões, todas as agências apresentam suas demandas operacionais e suas necessidades de inteligência, permitindo que haja um planejamento integrado das operações a serem realizadas. Dessa forma, as operações realizadas na UNMISS, normalmente, contam com a participação integrada de civis e militares, dentro do escopo de uma função CIMIC.

Além da referida coordenação, o FIOC coordena as ações com entidades externas, como outros órgãos da ONU e Organizações Não Governamentais (ONG). Para que isto ocorra, as referidas entidades apresentam suas demandas para o Force Headquarter da UNMISS, localizado em Juba, que por sua vez determina que os Field Office realizem as coordenações necessárias para que as demandas sejam atendidas, caso aprovadas. Assim, os observadores militares participam de operações nas quais devem coordenar as ações com diversas entidades civis. Abaixo, segue um exemplo de organização de FIOC. No caso em tela, a estrutura organizacional é a praticada pelo Yambio Field Office:

Figura 1 - Organização do FIOC - Yambio Field Office

 cimic observadores militares unmiss fig1

Fonte: O AUTOR, 2022.

Um exemplo desse tipo de operação foi a Long Range Patrol, que ocorreu em junho de 2020 na cidade de Tambura, localizada no estado de Western Equatoria, na área de responsabilidade do Yambio Field Office.

A missão teve origem após o recebimento da informação de que o número de deslocados em Tambura havia aumentado e que as condições de segurança alimentar na região haviam se deteriorado. Diante desta situação, inicialmente o Sector Commander Staff e o Office for the Coordination of Humanitarian Affairs (OCHA) Country Level, ambos sediados em Juba, coordenaram a realização de uma operação a fim de enfrentar tal desafio.

Após a coordenação inicial, o FIOC ficou encarregado de integrar as ações das entidades envolvidas na operação. Além dos Offices de Yambio, participaram da missão o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o World Food Programe (WFP).

Ao final das reuniões de planejamento, o conceito da operação definiu como missão principal a doação de alimentos, tarefa que ficou a cargo das organizações civis. A segurança do evento ficou a cargo do Batalhão da Etiópia. Os observadores militares, juntamente com os integrantes da UNPOL dos escritórios Civil Affairs, Political Affairs e Human Rights, receberam a missão de realizar Key Leaders Engagements com as lideranças locais, com a finalidade de avaliar a situação local e permitir que a operação ocorresse nas melhores condições. A operação durou cerca de 12 dias e ocorreu como fora planejada. É importante destacar que todas as ações em que os observadores militares participaram, desde as reuniões com as lideranças locais até a distribuição de alimentos, teve a presença e a integração entre civis e de militares.

Outra atividade ligada a função CIMIC desempenhada pelos observadores militares, foi o desenvolvimento dos Quick Impact Projects (QIP). Esses projetos custam até cinquenta mil dólares e causam grande impacto na vida da população local. Os observadores militares, ao identificarem certa demanda compatível com o valor disponível, poderiam requisitar a realização de um QIP, que seria executado por uma entidade civil contratada pela UNMISS. Como exemplo de um QIP, houve a escavação de poços artesianos no estado de Western Equatoria, feitos com a finalidade de garantir o suprimento de água potável a comunidades que antes estavam desabastecidas.

 

5. Considerações Finais

Diante do exposto, pode-se concluir que a missão desempenhada pelos observadores militares da UNMISS conta fortemente com a função CIMIC. A estrutura de planejamento da missão, no que tange a função CIMIC, permite que a integração das diversas organizações presentes ocorra de maneira adequada. Dessa forma, raramente nota-se uma operação sem a participação de elementos civis e militares. Assim, o observador militar opera inserido em um ambiente multicultural, seja pela existência de pessoas de diferentes nacionalidades, seja pela vasta gama de instituições presentes. Essa característica do ambiente da UNMISS é favorável ao militar brasileiro, pois a formação multiétnica do povo brasileiro favorece o exercício da liderança em missões de paz (CLAUHS, 2013).

Por fim, o uso da força militar isoladamente não é capaz de atingir o efeito final desejado da UNMISS, previsto na Resolução 2625 do Conselho de Segurança da ONU. Somente a integração de civis e militares, realizada sob o escopo do CIMIC, tem se mostrado capaz de superar os desafios existentes no Sudão do Sul.

 

  

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. ALMEIDA, Rafael. Protection of civilians under United Nations Peacekeeping Operations: a case study of South Sudan 2013-14 crisis. Dissertação de Mestrado na National Defense University, 2019.

  2. BRASIL. Exército Brasileiro. EB20-MF-03.109 - Glossário de Termos e Expressões para uso no Exército. Brasília: Exército Brasileiro, 2018.

  3. CLAUHS, Ândrei. Os Impactos da Formação Multiétnica na Liderança Militar Brasileira em Missões de Paz. Coleção Meira Mattos, Vol. 7, nº 29, p. 99-111, 2013.

  4. OCHA. UN-CMCoord Field Handbook. Genebra: United Nations, 2018.

  5. SANTOS, Daniel Mendes Aguiar. Conflitos e Proteção de Civis na África: O caso da Estratégia das Nações Unidas para o Uso da Força e para a Segurança Humana no Sudão do Sul. Tese de Doutorado na ECEME, 2018.

  6. UNITED NATIONS. United Nations Security Council Resolution 1996 establishing the United Nations Mission in South Sudan (UNMISS). United Nations, 2011. Disponível em: http://www.refworld.org/docid/4f1d3b322.html. 2011. Acesso em: 15 de julho de 2022.

 

Rio de Janeiro - RJ, 07 de dezembro de 2022.


Como citar este documento:
Souza, Raphael Cavalieri Nardi de. A função CIMIC desempenhada por Observadores militares na UNMISS. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.  

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