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A foz do rio Amazonas e sua importância geopolítica para o Brasil

Publicado: Quarta, 14 de Junho de 2023, 01h01 | Última atualização em Quarta, 14 de Junho de 2023, 09h21 | Acessos: 1152

 

Carlos Henrique Moraes
 Major do Exército Brasileiro e Mestre em Ciências Militares.

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1. Introdução

Em um país de dimensões continentais, com as mais variadas e complexas demandas na área da Defesa, merece destaque os 7.500 km de extensão do litoral brasileiro. Com relação à faixa litorânea brasileira, a Estratégia Nacional de Defesa (END) e a Política Nacional de Defesa (PND) - documentos de mais alto nível nos assuntos de Defesa no Brasil - apontam que duas áreas merecem especial atenção nessa faixa litorânea: a faixa compreendida entre Santos-SP e Vitória-ES e a foz do rio Amazonas.

Nessa mesma direção, percebe-se que a Diretriz expedida pelo atual Comandante do Exército Brasileiro para o recorte temporal (2023 - 2026) se alinha com a END e a PND e também destaca a importância da foz do rio Amazonas para a Defesa do Brasil, na medida em que considera a faixa de fronteira, a região amazônica e a costa do Atlântico Sul, como sendo as áreas de interesse prioritário para o Exército Brasileiro, que atuará em conjunto com a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira para manter a presença do Estado e defender os interesses nacionais nessas regiões citadas.

Em vista dessa realidade, este artigo se propõe a analisar a importância geopolítica da foz do rio Amazonas para o Brasil. Para tanto, este artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente, realiza-se uma breve introdução com o fito de ambientar o leitor sobre o assunto. Posteriormente, serão analisadas a importância estratégia da faixa litorânea compreendia entre Santos-SP e Vitória-ES e a importância estratégica da foz do rio Amazonas. Em seguida, serão apresentadas as ações realizadas pelo Exército Brasileiro na foz do rio Amazonas e na parte final serão realizadas breves considerações sobre a temática em pauta.

 

2. A importância estratégica da faixa litorânea Santos-SP e Vitória-ES

No que concerne a faixa litorânea situada entre Santos-SP e Vitória-ES, torna-se fácil compreender o motivo do olhar atento à Defesa do Estado brasileiro naquela área, uma vez que a bacia petrolífera de Campos e a bacia petrolífera de Santos estão localizadas nessa faixa. A importância da bacia de Campos para o Brasil vem de longa data, uma vez que a Petrobrás vem lançando projetos offshore há cerca de 40 anos. Com relação a importância da bacia de Santos, cumpre mencionar que atualmente é a maior bacia sedimentar offshore do Brasil, sendo líder e maior produtora de petróleo e gás natural do país. Soma-se a isso, os campos do pré-sal presentes nas duas bacias, com grande volume de reservas petrolíferas, redundando em expressivo potencial de geração de valor ao Brasil.

Como se não bastasse, debruçado sobre essa faixa litorânea, encontra-se o centro nevrálgico, econômico e tecnológico nacional. Trata-se do eixo Rio-São Paulo, que apresenta altos índices econômicos, sendo também o local onde se localizam as melhores instituições tecnológicas do país. Essa estrutura, aliada a existência de um vasto complexo industrial, confere a esse eixo a capacidade de importar insumos e exportar seus produtos pelos portos dessa região.

 

3. A importância estratégica da foz do rio Amazonas

A foz do rio Amazonas detém grande importância estratégica. Não pelo acaso, a região é prioridade nas questões relacionadas à segurança e defesa. Além da importância militar, a foz do rio Amazonas possui grande potencial econômico, detém relevância na questão informacional e se consubstancia por ser a principal porta de entrada para a floresta amazônica sul-americana.

Sob a perspectiva militar, alguns planejamentos militares indicam que uma ação militar externa na foz do rio Amazonas provavelmente terá dois objetivos: 1) o primeiro poderá ser a conquista de alguma parte do território da floresta amazônica, capaz de conduzir uma força militar até aos principais acidentes capitais que controlam a região; 2) o segundo poderá ser a realização de um embargo, com negação do uso comercial dessa região. Esse último objetivo, em particular, poderá ser amparado num discurso ou narrativa internacional de que o país esteja sendo incapaz no combate ao narcotráfico, às madeireiras ilegais, aos garimpos, aos crimes ambientais em geral e até mesmo na contenção ou regulação do agronegócio.

Para qualquer um dos objetivos militares anteriormente elencados, considera-se que a negação do uso não seria somente sobre o canal que limita as embarcações, mas também abarcaria o litoral que se alonga ao arredor do estuário. Para atender o princípio de guerra da surpresa e segurança, a força militar invasora - aqui julgada com uma capacidade militar superior à brasileira - não permitiria o lançamento de ações táticas em sua proximidade. Nessa perspectiva, visualiza-se que a foz do rio Amazonas não está limitada pelos acidentes geográficos que se debruçam no oceano Atlântico. Para fins estratégicos, a foz do rio Amazonas é a região que compreende a faixa litorânea que se estende desde o Oiapoque-AP (450 Km ao Norte do estuário) até São Luís-MA (470 Km à Sudeste do estuário). Ou seja, para fins estratégicos, a foz do rio Amazonas compreende uma faixa de cerca de 900 km de extensão.

Sob a perspectiva econômica, estudos de prospecção feitos pela Petrobrás na margem equatorial norte aumentam ainda mais a importância da foz do rio Amazonas. O litoral do Estado do Amapá e do Estado do Pará (locais abrangidos pela foz do rio Amazonas) tendem a receber plataformas de exploração de petróleo offshore. Para que se tenha uma ideia do potencial petrolífero dessa região, estudos realizados no local apontam que a produção petrolífera na foz do rio Amazonas pode igualar à produção petrolífera das bacias de Campos-RJ e Santos-SP somadas. Ou seja, estamos falando de uma potencial bacia do pré-sal.

Ainda na vertente econômica, não se pode omitir a existência do campo petrolífero onshore de Urucu, localizado no interior do Estado do Amazonas. O produto extraído em Urucu constitui-se em petróleo leve e de melhor qualidade, quando comparado ao petróleo do pré-sal. Apesar do principal item produzido em Urucu ser o gás liquefeito de petróleo (GLP), popularmente conhecido como “gás de cozinha” e sua distribuição destinar-se ao mercado interno, há de considerar que o gás de cozinha consumido nos Estados do Pará, do Amapá e do Maranhão se originam de Manaus-AM é oriundo de Urucu e uma paralização na foz do rio Amazonas tem grande potencial para impactar economicamente o consumo interno.

Outra questão econômica importante reside no escoamento do minério de ferro produzido pela empresa Vale em Carajás-PA. O fato do Brasil ser líder mundial na exportação de minério de ferro e ter sua principal reserva no complexo Carajás-PA, torna ainda mais relevante a foz do rio Amazonas. No campo científico, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), situado em São Luís-MA (na parte compreendida pela foz do rio Amazonas), é outro fator que aumenta a importância estratégica dessa região geográfica.

Outro aspecto que reforça a importância estratégica da foz do rio Amazonas reside no fato dela ser a principal porta de entrada regional, sendo o principal eixo de comunicação da floresta amazônica com o Brasil e com o mundo. Não custa lembrar que as duas capitais mais pujantes da região norte do Brasil, Belém-PA e Manaus-AM, nasceram e se sustentam por meio deste modal.

Nessa mesma perspectiva, convém destacar que a foz do rio Amazonas é fundamental para o dia-a-dia das cidades de vulto que se debruçam sobre o rio Amazonas (Macapá-AP, Belém-PA, Santarém-PA e Manaus-AM), uma vez que tais cidades possuem uma cadeia logística específica e estruturada para a foz do rio Amazonas, devido às distâncias dos grandes centros urbanos nacionais. Parte das importações brasileiras seguem direto, via foz do rio Amazonas, para as cidades citadas anteriormente sem passarem pelos centros de distribuição no centro do Brasil. Como exemplo disso, há o caso do combustível (diesel e gasolina). Outro exemplo é a Zona Franca de Manaus (ZFM), iniciativa federal que permitiu a implantação de inúmeras indústrias e empresas e que atualmente é responsável pela geração de milhares empregos diretos e indiretos na região. Como a maior parte dos insumos necessários para o dia-a-dia da ZFM adentram e saem na região amazônica por meio da foz do rio Amazonas, uma instabilidade nessa região ocasionará efeitos colaterais na ZFM, afetando a vida de centenas de milhares de pessoas.

Além disso, mais da metade dos produtos do agronegócio brasileiro é escoado pela foz do rio Amazonas. Obras recentes de melhoria das infraestruturas da região amazônica estão norteando o escoamento da produção agrícola para os portos de Porto Velho-RO, Miritituba-PA, Santarém-PA e Belém-PA, os quais se comunicam pelo modal hidroviário com a foz do rio Amazonas. Ou seja, essa região catalisa a maior parte do escoamento da produção agrícola nacional. Como se não bastasse, o cenário futuro aponta para um incremento das exportações de grãos pelo arco norte do Brasil, haja vista que a proximidade geográfica com os Estados Unidos da América, Europa e China - por meio do canal do Panamá - favorecem as trocas comerciais da região norte, quando comparados com os portos situados nas regiões Sudeste e Sul do Brasil.

No domínio informacional, é importante destacar o peso que a Amazônia possui nas mídias do mundo inteiro. As repercussões dos eventos que ocorrem nesse ambiente ultrapassam o cenário nacional e reverberam internacionalmente, alcançando celebridades mundiais que, não raro, emitem suas opiniões por meio de suas redes sociais, que majoritariamente costumam estar alinhadas com a ideia de que o Brasil não consegue controlar os crimes e delitos que acontecem na floresta amazônica, quer sejam de natureza ambiental, quer sejam de outra natureza.

Portanto, além da flagrante quebra da soberania nacional, uma eventual intervenção sobre a foz do rio Amazonas pode gerar os seguintes impactos negativos ao Brasil:

1) a perda de relevância do Brasil sobre a Amazônia no cenário nacional e internacional;

2) prejudicar o agronegócio brasileiro, uma vez que é a principal porta de entrada de fertilizantes e insumos para o agronegócio;

3) dificultar o dia-a-dia dos habitantes locais, uma vez que é a principal porta de entrada e saída dos produtos feitos pelas empresas e indústrias da Zona Franca de Manaus;

4) prejudicar a economia do país, levando-se em consideração de que a foz do rio Amazonas é onde ocorre a maior parte do escoamento de grãos do Brasil e onde acontece todo o escoamento do minério de ferro extraído na serra doa Carajás-PA;

5) dificultar o crescimento do país, uma vez que a região possui o potencial petrolífero semelhante ao da bacia de Campos-RJ e ao da Bacia de Santos-SP; e

6) negar a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara, instalação militar que está situado num dos melhores locais do mundo para o lançamento de satélites, haja vista sua proximidade com a linha do Equador.

 

4. As ações realizadas pelo Exército Brasileiro na foz do rio Amazonas

Coerente com a importância estratégica da foz do rio Amazonas, o Exército Brasileiro tem articulado a Força Terrestre a altura das exigências regionais. Em decorrência disso, em 2013 o Exército Brasileiro reativou o Comando Militar do Norte, que está sediado em Belém-PA. Em síntese, até 2013 a Amazônia brasileira estava sob a responsabilidade de apenas um Comando Militar de Área: Comando Militar da Amazônia. Após 2013, a região Amazônica ficou sob a responsabilidade de dois Comandos Militares de Área: o Comando Militar da Amazônia ficou com o encargo de proteger a floresta amazônica brasileira situada nos Estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre. O Comando Militar do Norte, por sua vez, ficou com o encargo de proteger a floresta amazônica brasileira situada nos Estados do Pará, Amapá, Maranhão e Tocantins.

E as ações efetuadas pelo Exército Brasileiro não pararam por aí. Em 2017, o Exército Brasileiro instalou mais uma Grande Unidade junto à foz do rio Amazonas. Sediada em Macapá-AP, a 22ª Brigada de Infantaria de Selva aumentou o efetivo militar presente na região e, por consequência, o poder militar terrestre junto a região, proporcionando mais operacionalidade e maior capacidade para o desdobramento da Força Terrestre ao longo litoral da foz do rio Amazonas.

Em que pese essas Organizações Militares ainda não funcionarem com todas as suas capacidades desejadas devido ao pouco tempo de existência, tais iniciativas descortinam uma demonstração clara da importância estratégica da foz do rio Amazonas junto ao Exército Brasileiro. Além disso, cumpre destacar os esforços efetuados pelo Exército Brasileiro na busca de uma doutrina própria para essa parte da região amazônica. Desde 2013, a instituição tem realizado diversas experimentações doutrinárias, tem promovido inúmeros simpósios acadêmicos e tem feito diversos exercícios no terreno na região, no sentido de colocar em prática e validar a doutrina militar brasileira na foz do rio Amazonas.

Nesse mister, é imperioso destacar também a necessidade premente da confecção, já em fase de planejamento no Ministério da Defesa, do Plano Estratégico de Emprego Conjunto das Forças Armadas (PEECFA) voltado para a defesa da foz do rio Amazonas, por meio do qual será possível definir as capacidades necessárias para a complexa missão de defender essa parte da região amazônica.

Na parte do ensino do Exército Brasileiro, cabe destacar os esforços realizados pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) que, entendendo a necessidade em contribuir na formulação de uma doutrina específica para a foz do rio Amazonas, definiu que os alunos concludentes do curso de Comando e Estado-Maior do 2º ano, terão como tema a Defesa do Litoral para seu Projeto Interdisciplinar de 2023.

 

5. Considerações finais

Por fim, na parte militar, cumpre mencionar os esforços realizados pelo Exército Brasileiro que, protagonizados pelo Comando Militar do Norte e pela 22ª Brigada de Infantaria de Selva), visam melhor defender e salvaguardar os interesses brasileiros na foz do rio Amazonas. Tais esforços se juntam as iniciativas implementadas pela Força Aérea Brasileira, pela Marinha do Brasil e pelas demais instituições brasileiras na defesa de um local tão estratégico para o país. Pelo fato de a Amazônia possuir diversos biomas e inúmeros ambientes operacionais, torna ainda mais importante a necessidade de uma permanente atenção do Ministério da Defesa para que se intensifique as ações conjuntas e interagências, seja de preparo, seja de emprego, nesse cenário de complexas demandas.

Na vertente econômica, restou clara que a importância da foz do rio Amazonas não está apoiada apenas no potencial petrolífero da região, que é comparável ao potencial petrolífero da bacia de Campos e da Bacia de Santos somadas, mas também está ancorada em sua localização estratégica, uma vez que se tornou na principal rota de escoamento da produção agrícola nacional nos dias atuais, que é a principal fonte de divisas do país atualmente.

Além do aspecto econômico, merece destaque também a característica singular que a foz do rio Amazonas carrega consigo, que é a principal porta de entrada para a floresta amazônica. Qualquer instabilidade nesse local indubitavelmente acarretará efeitos colaterais em vários locais da região norte do país, afetando a vida de milhões de pessoas que dependem da estabilidade dessa região.

Em vista dessa considerações, conclui-se que a foz do rio Amazonas detém grande importância geopolítica para o Brasil e que todos os integrantes da sociedade devem destinar um olhar atento e especial para a região. Afinal, a Amazônia não é exclusiva dos militares, dos índios e/ou dos habitantes regionais, pelo contrário, ela é do povo brasileiro e requer a contribuição de todos os setores da sociedade brasileira!!!

 

Rio de Janeiro - RJ, 14 de junho de 2023.


Como citar este documento:
Moraes, Carlos Henrique. A foz do rio Amazonas e sua importância geopolítica para o Brasil. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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