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Amazônia à luz da geopolítica contemporânea

Publicado: Sexta, 22 de Setembro de 2023, 01h01 | Última atualização em Sexta, 22 de Setembro de 2023, 10h14 | Acessos: 931

 

Bruno de Moraes Silva
Major do Exército Brasileiro. Atualmente está realizando o CAEM na ECEME.

Renato de Sousa
Major do Exército Brasileiro. Atualmente está realizando o CAEM na ECEME.

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1. Introdução

Para Tuathail e Agnew (1992), geopolítica é uma ciência que nasce e floresce sob a égide dos interesses dos homens de Estado. Ou seja, a geopolítica é uma ciência a serviço do Estado e como tal, ela pode cambiar e modificar com o decorrer do tempo.

Com o fim da bipolaridade travada entre os Estados Unidos da América e a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, se extinguiram também as rivalidades Leste-Oeste. O término da Guerra Fria sepultou de vez a Ordem Mundial Bipolar e deu espaço para o surgimento de uma Ordem Mundial Unipolar liderada pelos Estados Unidos da América, o que gerou novos interesses do Estados e, por consequência, inspirou o desenvolvimento de novas abordagens geopolíticas a partir da década de 1990.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o conflito Leste-Oeste deu espaço para a relação de dependência Norte-Sul, na medida em que a maior parte do pensamento geopolítico internacional que surgiu após a década de 1990, ficou marcado, preponderantemente, por ideias e conceitos que enfatizavam o protagonismo dos países do hemisfério Norte sobre os países subdesenvolvidos do hemisfério Sul. Diante dessa realidade, os geopolíticos brasileiros começaram a demonstrar grande preocupação com a região amazônica. Esses pensadores, em sua grande maioria, enfatizavam a necessidade de o Estado brasileiro ocupar e integrar, efetivamente, a Amazônia ao território nacional, vez que se trata de área muito rica, pouco explorada e que desperta cobiça internacional.

Para que se tenha uma ideia, o território da região amazônica possui uma área de aproximadamente 7 milhões de km² e envolve 8 países, com destaque para o Brasil, Colômbia, Venezuela e Guiana Francesa. Desse total, cerca de 5 milhões de km² estão situados no Brasil, o que representa cerca de 57,72% do território brasileiro. Como se não bastasse, essa região possui a maior reserva de capital natural, a maior floresta tropical do mundo, a maior bacia hidrográfica do mundo e também possui reservas incalculáveis de minerais.  

“Dado seu potencial econômico incalculável, graças a diversidade e abundância da fauna, da flora e dos recursos minerais, a Amazônia é alvo de cobiça por atores estrangeiros que articulam incessantemente para colocar sob suspeita a capacidade do Brasil em tratar dos assuntos referentes à região, como o desmatamento, as questões indígenas, a exploração dos recursos, entre outros. Diante dos fatos, o país precisa defender sua soberania sobre a Amazônia, visto que, com o crescente aumento populacional e econômico, a demanda por recursos naturais tende a crescer exponencialmente e ser um grande gerador de conflitos no futuro” (FERREIRA, 2021, p.57).

Diante da importância estratégica da Amazônia para o Brasil, este artigo tem por finalidade destacar o papel que ela ocupa no pensamento geopolítico contemporâneo internacional e no pensamento geopolítico nacional. Para tanto, este artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente é apresentada a conjuntura geopolítica pós-Guerra Fria e alguns aspectos relacionados à Amazônia. Na sequência, discorre-se sobre o pensamento geopolítico internacional e nacional, com suas respectivas interfaces com a Amazônia. Na parte final, este artigo confronta o pensamento geopolítico internacional contemporâneo com o pensamento geopolítico nacional, tendo como elemento comparativo a Amazônia.

2. O pensamento geopolítico internacional e a interface com a Amazônia

Nesta seção, serão apresentadas as principais teorias geopolíticas que norteiam o  pensamento geopolítico internacional contemporâneo e seus respectivos pontos de contato com os interesses do Estado brasileiro na floresta amazônica.

Segundo Brochard, em sua teoria dos blocos, o mundo seria dividido em quatro zonas de influência política e militar, sendo que a maior potência de cada bloco criaria uma zona monetária. No caso brasileiro, verifica-se que os Estados Unidos da América seriam o líder do bloco das Américas e o dólar, a moeda circulante. Nessa teoria, o autor afirma que o país líder seria industrializado e os países subdesenvolvidos forneceriam as matérias-primas necessárias para as indústrias daquela potência. 

Contextualizando-a ao caso brasileiro, nota-se que a teoria dos blocos defende ideias que ratificam o domínio da potência do bloco das Américas sobre os demais países desse continente. Ou seja, de acordo com essa teoria, os Estados Unidos da América poderiam requisitar aos brasileiros o envio de matérias-primas existentes na região amazônica e que são necessárias ao seu crescimento, fato que foi explicitado publicamente durante o pronunciamento feito por Al Gore em 1991, então Vice-presidente dos Estados Unidos da América naquele ano.

Na teoria dos Limes, idealizada por Rufin em 1991, pontua que os países ricos do Norte não precisariam mais ajudar os países pobres do Sul. Segundo Rufin, essa postura potencializaria a pobreza dos países do hemisfério sul, o que geraria uma migração em massa da população desses países em direção aos países do Norte. Outro elemento relevante dessa teoria é que, aos mesmos moldes da teoria dos blocos, os países do hemisfério sul seriam fornecedores de matérias-primas aos países industrializados do hemisfério norte, o que suscita a ideia de que as principais potências teriam direito sobre os recursos das nações subdesenvolvidas do sul, pensamento que veio a se tornar público em 1989, por ocasião do pronunciamento de Françoise Miterrand, então Presidente da França naquele ano.

Em 1992, Lellouche elaborou a teoria da incerteza. Esse pensamento apontava para uma desordem mundial após o fim da Guerra Fria e que perduraria por três décadas. Lellouche entende que, nesse período, os Estados Unidos da América seriam a única potência dominante, mas que esse fato não asseguraria, per si, a estabilidade mundial, realidade que veio a se configurar, haja vista a ocorrência de vários pequenos conflitos e distúrbios intraestatais ao redor do globo, a exemplo de distúrbios raciais nos Estados Unidos da América e as revoluções eclodidas nas ex-repúblicas socialistas soviéticas. Para Lellouche, a América Latina não era uma área de turbulência e que o Brasil deveria se aproveitar dessa condição para sair da estagnação sozinho ou juntamente com outros países do continente sul-americano. Em suma, pode-se dizer que a teoria da incerteza não apresenta elementos que se contrapõem a soberania brasileira na região amazônica.

Referente a teoria da tríade apresentada pelo Clube de Roma, a globalização seria o meio pelo qual os países ricos do Norte dominariam os países pobres do Sul. Nessa proposta, seriam criados três blocos, sendo que cada um seria dominado por uma potência líder: os Estados Unidos da América seriam os líderes do bloco das Américas, a Alemanha seria a líder do bloco europeu e o Japão seria o líder do bloco asiático. Além dessas considerações, a teoria da tríade ainda aponta que os Estados Unidos da América seriam os líderes supremo, o que suscita um governo único transnacional mundial. Tal teoria ainda previa um cenário prospectivo caracterizado por uma crise mundial nunca vista anteriormente. No entendimento do Clube de Roma, o futuro seria marcado pelo esgotamento de recursos naturais, crise energética, escassez de alimentos, aumento da violência, desemprego em massa e poluição. Ou seja, um cenário de caos, favorecendo ao protecionismo dos países ricos e o liberalismo econômico, por meio do consenso de Washington, junto aos países subdesenvolvidos, tornando-os endividados. Nessa proposta, o Brasil seria afetado, principalmente as suas Forças Armadas, que estariam forçadas a reduzirem seus efetivos. Com base na teoria Malthusiana, haveria o enfraquecimento da população brasileira e, consequentemente, de sua defesa, o que facilitaria o acesso do interesse internacional na maior floresta tropical do mundo. Não pelo acaso, em 1983, a Primeira Ministra da Inglaterra - Margareth Tatcher, emitiu um pronunciamento direcionado aos países subdesenvolvidos, destacando que os países subdesenvolvidos que não conseguiram pagar suas dívidas externas, que deviam vender suas riquezas, seus territórios e suas fábricas.

A teoria do choque de civilizações, proposta por Samuel Huntington, apresenta uma prospecção de que os conflitos ocorridos a partir da década de 1990 seriam causados em decorrência de fricções civilizacionais. Esse pensamento não visualizava a América Latina como pertencente à civilização ocidental. Nessa teoria, os Estados Latino-americanos são percebidos como possíveis causas ou causadores de conflitos. No caso brasileiro, o sistema internacional pode questionar a atuação do Estado Brasileiro na proteção ambiental e, alegando que a floresta amazônica é um bem comum e pertence a todos, tal sistema internacional pode se achar no direito e no dever de intervir na Amazônia, o que justifica a necessidade do Estado Brasileiro em envidar esforços no sentido de resguardar a soberania brasileira em seu território.

Diante dessas considerações, no tocante à Amazônia, nota-se que o pensamento geopolítico contemporâneo internacional se caracteriza por apresentar elementos e ideias que reforçam a relação de domínio dos países do hemisfério norte, diante dos países do hemisfério sul, fato que, por si só, já embasa as iniciativas brasileiras, estatais e/ou privadas, que estejam voltadas para resguardar a soberania brasileira na região amazônica.

3. O pensamento geopolítico nacional e a interface com a Amazônia

Nesta seção, serão apresentados as principais ideias contidas no pensamento geopolítico do General Golbery do Couto e Silva, do General Meira Mattos e da Professora Therezinha de Jesus, com seus respectivos pontos de contato com a Amazônia.

Segundo o General Golbery do Couto e Silva, a principal característica do sistema internacional é a anarquia, uma vez que não visualiza uma autoridade superior que seja capaz de ditar os rumos e comportamentos dos Estados. Essa característica impõe ao Estado brasileiro a realização de um planejamento voltado à Segurança Nacional que expresse a necessidade de elaborar um novo modelo de planejamento estratégico que substitua o empirismo e ações desonestas.

Para o geopolítico brasileiro, o território brasileiro é dividido em cinco ilhas pouco conectadas, sendo a região Sudeste pertencente à ilha coração. Diante dessa realidade, o Estado Brasileiro deve realizar uma efetiva integração nacional, envidando esforços no sentido de unir a ilha coração com as demais ilhas do Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. Esse empreendimento deve priorizar a ocupação de espaços vazios com intuito de integrar efetivamente as áreas anecúmenas, iniciando pela integração das ilhas do litoral Nordeste, Sudeste e Sul. Em uma segunda fase, seria ocupada a ilha do Centro-Oeste, a qual estaria materializada pela transferência da capital nacional para o Planalto Central e, por fim, a ilha Norte seria integrada. Com relação à integração da região Norte, esta seria inundada com brasileiros, incorporando-a de fato ao Brasil. Visualiza-se que esse movimento apresenta um efeito dissuasório por representar a presença do Estado brasileiro na Amazônia, que ainda está inconclusa, pois ainda apresenta grandes vazios demográficos que despertam a cobiça internacional, o que aponta para uma necessidade de o Estado brasileiro continuar com seus esforços voltados para resguardar a soberania brasileira nessa região.

Passando para o pensamento geopolítico do General Meira Mattos, nota-se que o pensador enfatiza a necessidade de os países amazônicos se unirem em prol da defesa e da soberania de seus países na região. Pode-se dizer que o General Meira Mattos foi o precursor daquilo que hoje é a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), pois o pensamento dele ficou marcado por defender a elaboração de iniciativas e empreendimentos direcionados para a construção de pólos de desenvolvimento transnacionais nas zonas de fronteira da Pan-Amazônia (FERREIRA, 2021).

Segundo Meira Mattos, esses pólos de desenvolvimento integrariam o imenso espaço amazônico (nacional e internacional) e potencializariam a cooperação econômica entre as diferentes nacionalidades dessa macrorregião. Na Amazônia brasileira, teriam três pólos de desenvolvimento: 1) Boa Vista (Brasil) - Lethen (Guiana) - Santa Helena (Venezuela); 2) Tabatinga (Brasil) - Letícia (Colômbia) - Ramon Castilla (Peru); e 3) Porto Velho e Rio Branco (Brasil) - Riberalta e Cobija (Bolívia). Em decorrência do desenvolvimento desses pólos e do aumento da cobiça internacional sobre a região amazônica, anos depois os países amazônicos realizaram medidas políticas voltadas para a proteção e integridade da floresta amazônica. Uma dessas medidas, foi a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônico (OTCA).

Ainda, segundo General Meira Mattos, o tempo amazônico exige uma capacidade nacional de resposta aos estímulos continentais e uma estratégia integradora que privilegie a utilização de modernas tecnologias para o aproveitamento e otimização dos múltiplos recursos existentes.

No que concerne ao pensamento de Therezinha de Castro, o fim da Guerra Fria deu espaço para o surgimento do neocolonialismo econômico, que foi a forma encontrada pelos países do hemisfério Norte em dominar os países do hemisfério Sul. Em suma, para manter seu desenvolvimento, os países industrializados do Norte precisariam do fornecimento de matérias-primas dos países subdesenvolvidos do Sul (CASTRO, 1992).

Devido às suas riquezas incalculáveis, a hileia Amazônica torna-se extremamente atrativa para os países do hemisfério Norte, fazendo-a ainda mais importante e estratégica para o Brasil. Com uma narrativa de proteção às populações indígenas e proteção à floresta amazônica, o sistema internacional busca relativizar a soberania brasileira na Amazônia, alegando que o país não consegue proteger o meio ambiente e as populações desfavorecidas. Conforme Therezinha de Castro, a região amazônica requer atenção e estratégia adequada para superar os óbices da pouca integração com a parte do território nacional onde se concentra a maior parte do Poder Nacional.

Diante dessas considerações, no tocante à Amazônia, conclui-se que o pensamento geopolítico nacional se caracteriza por apresentar elementos e ideias que reforçam a necessidade de o Estado brasileiro envidar esforços no sentido de integrar a região amazônica aos demais centros de poder e desenvolvimento do país. Destaque a parte deve ser dado a Meira Mattos, que lançou as bases para a cooperação interestatal voltada à proteção do meio ambiente e da soberania na Amazônia.

4. Considerações Finais

Na fase final, este artigo aponta que a Amazônia ocupa um papel importante no pensamento geopolítico internacional e se consubstancia em elemento central para o pensamento geopolítico nacional contemporâneo.

Com relação ao pensamento geopolítico internacional, nota-se que a queda do muro de Berlim e o consequente rearranjo na Ordem Mundial, proporcionou um cenário favorável para o lançamento de novas ideias, que estavam alinhadas aos interesses dos Estados ditos desenvolvidos. Conforme descrito ao longo do artigo, a maior parte dos geopolíticos internacionais contemporâneos entende que a disputa Leste-Oeste deu lugar a dependência Norte-Sul, onde os países do hemisfério Sul seriam fornecedores de matérias-primas para fomentar o desenvolvimento dos países do hemisfério Norte.

Contextualizando esse pensamento com o caso brasileiro, mais especificamente a Amazônia, resta claro que a floresta amazônica desperta grande cobiça internacional por tudo que representa e por tudo que está contido naquela região (reservas descobertas e reservas não descobertas). Diante disso, é imperioso que o Estado Brasileiro, com todas as expressões do poder nacional, envide esforços no sentido de resguardar a soberania brasileira na região.

No tocante ao pensamento geopolítico nacional, preocupados com as ideias geopolíticas internacionais propagadas após a queda do muro de Berlim, os autores brasileiros enfatizaram a necessidade de realizar uma efetiva integração da região amazônica aos principais pólos de poder e desenvolvimento do país. Tal fato se torna ainda mais importante, devido a existência de grandes anecúmenos populacionais na Amazônia brasileira. Cumpre destacar as bases lançadas por Meira Mattos no sentido de promover uma cooperação interestatal entre os países amazônicos para proteger o meio ambiente e resguardar a soberania desses países, iniciativa que redundou na criação da OTCA.

Por fim, ao confrontar as ideias do pensamento geopolítico contemporâneo que possuem uma interface com a Amazônia brasileira, com o pensamento geopolítico nacional, chega-se à conclusão de que o Estado brasileiro deve envidar esforços, com todas as expressões do poder nacional, para garantir a efetiva soberania brasileira naquela região. Não basta apenas atuar com o poder militar, é necessário que o país também empregue o poder econômico, psicossocial, político, a ciência e tecnologia.

 

 

 Referências Bibliográficas: 

  1. BRASIL. Exército Brasileiro. Força Tarefa Componente. Brasília: Exército Brasileiro, 2019.

  2. CASTRO, Terezinha de. Amazônia - Geopolítica do confronto e Geoestratégia da integração. A Defesa Nacional, nº 755, p.68-82, 1992.

  3. FERREIRA, Alexandre da Silva. Amazônia: um paralelo entre o pensamento geopolítico de Meira Mattos e as atuais políticas públicas para a região. Trabalho de Conclusão de Curso na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, 2021. Rio de Janeiro: ECEME, 2021.

  4. Ó TUATHAIL, G.; AGNEW, J. Geopolitics and discourse: Practical Geopolitical Reasoning in American Foreign Policy. Political Geography, Vol. 11, nº 2, p. 190-204, 1992.

 

Rio de Janeiro - RJ, 22 de setembro de 2023.


Como citar este documento:
Silva, Bruno de Moraes; Sousa, Renato de. Amazônia à luz da geopolítica contemporânea. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.  

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